Deu certo. Consegui a minha vaga em Ux. E você também vai conseguir a sua.

Almir Oliveira
9 min readJan 15, 2021

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Photo by Vonecia Carswell on Unsplash

Deu certo! Finalmente consegui uma tão sonhada vaga como Ux Researcher! As coisas se saíram infinitamente melhores do que eu esperava e inicio as minhas atividades na primeira semana de fevereiro.

Obviamente, trabalhei muito, foquei, me organizei, me esforcei, busquei oportunidades, não vou ser leviano. Mas tem um outro lado a se pesar, que é uma relação de privilégios que, como sabemos, moldam as relações sociais no Brasil e em boa parte do mundo. Como já comentei em outro artigo sobre as minhas ações para chegar até aqui, neste texto vou me ater mais sobre essa relação de privilégios e sobre porque acredito que muitas outras pessoas também podem conseguir, ainda que por um trajeto mais longo.

Primeiramente, vamos alinhar que relações de privilégios dificilmente significam que a vida dos outros seja fácil ou que ela não tenha que se esforçar para atingir determinados objetivos. Significa, por outro lado, que alguns indivíduos não passam por dificuldades que ninguém deveria passar. Por exemplo, eu, um homem branco, heterossexual e de classe média nunca tive que fornecer atestado de antecedentes criminais, nunca foi preterido processos seletivos por causa do meu jeito de falar ou de me portar, muito menos sofri assédio sexual em ambiente de trabalho ou me perguntaram se eu pretendo ter filhos. São questões invisibilizadas, mas que no cotidiano podem se tornar um problema enorme para quem está em busca de colocação ou de crescimento profissional.

Porém, existem muitos outros privilégios que foram fundamentais para eu percorrer um caminho muito mais curto (cerca de 2 meses, enquanto muitas pessoas levam 18 meses ou mais). Primeiramente, mesmo tendo estudado em escola pública, meus pais conseguiram pagar cursinho para mim sem que isso tirasse comida da mesa e eu consegui entrar na USP e estudar durante a graduação com uma relativa paz, ainda que trabalhando durante todo o período. Estudar em uma grande universidade é a chance de adquirir conteúdo de excelência, de ter professores de qualidade, mas existe algo mais importante do que isso: é um ambiente onde temos contato com outro mundo (eu até chamava a USP de principado). Aprendemos muito sobre possibilidades que existem, que eu pelo menos nem imaginava, de acesso ao conhecimento, a novos campos de trabalho, e o mais importante, de contato com diversas pessoas que em algum momento da sua vida pode ser um canal de oportunidade, o famoso networking. Além disso, ela oferece diversas atividades que podem dar alguma remuneração, como bolsas de Iniciação Científica, auxílios para quem declarar que sofre alguma privação econômica, ou mesmo garantir que você vai ter uma refeição de qualidade por um preço módico (R$1,90 em 2012).

Ainda assim, acho que o que ela me proporcionou de mais importante foi a minha rede de contatos. E isso é o que mais me ajuda hoje em dia. Para servir de alegoria do quanto acho isso importante, vou contar uma história. Já conheci uma pessoa que se graduou arquiteta e conseguia projetos sem sequer sair do seu condomínio. Ela morava em um dos bairros mais ricos de São Paulo e conseguiu, logo depois de se graduar, alguns projetos de reforma de apartamento que chegavam a custar mais de 50 mil reais (em 2006) apenas entre os seus vizinhos e amigos da família. Nem preciso alongar aqui sobre como seria para um arquiteto que cresceu na periferia da cidade e lá manteve o seu círculo social, né? E o que eu tenho a ver com isso? De fato eu passo longe de ter este padrão de vida, mas a primeira coisa que eu fiz quando comecei a investir meus esforços na Ux, foi acionar os meus contatos, na maioria, colegas e amigos que estudaram comigo na USP e absolutamente todos pertenciam a este nível socioeconômico. São pessoas que trabalham muito e estão sempre estudando, mas, antes de tudo, estão inseridas no mercado de trabalho em Ux ou áreas pertinentes e puderam me dar informações preciosas de como eu poderia atingir meus objetivos. Me ensinaram muitas coisas, como a maneira que devo organizar o meu currículo e LinkedIn, onde e como devo procurar vagas, o que as empresas devem esperar de mim, o que devo estudar, plataformas de cursos, me ensinaram que eu deveria criar conteúdo, pois isso mostraria que eu tenho interesse e conhecimento, e por isso passei a escrever aqui no Medium, me ofereceram espaço para participar de um projeto e assim desenvolver um portfólio, me mostraram que Ux existe e que eu era capaz. Em síntese, tiraram uma montanha da minha frente, pois eu até poderia ter aprendido tudo isso de outras maneiras ou ter seguido adiante sem algumas dessas informações, mas a que custo?

Outros privilégios talvez sejam um pouco mais latentes do que este. A minha vida inteira tive uma casa segura e uma família estável. Nunca soube o que é privação alimentar, de moradia, de segurança ou qualquer coisa do gênero. Isso tira uma montanha da minha frente todos os dias. Eu posso me concentrar naquilo que desejo fazer. Por isso, sempre tive o privilégio de tentar, errar e tentar de novo, coisa que nem os meus pais tiveram. Passei alguns anos tentando fazer arquitetura e, sem a menor cerimônia, mudei de ideia e fui fazer Ciências Sociais. Terminando a faculdade, gastei uma rala economia que tinha em uma viagem para a Argentina para estudar espanhol e voltei literalmente com R$0,64 na minha conta. Em sete semanas arrumei um emprego em uma empresa onde trabalhei e aprendi muito, apesar de o salário inicial ter sido triste. Saí dessa empresa e me dediquei só a estudar ao mestrado e vivendo do dinheiro que economizei e dos benefícios que recebi porque a dona da empresa me “mandou embora” para eu poder sacar o FGTS. Falhei e voltei para o mercado em um grande painel de pesquisas. Soube desta vaga graças a uma amiga de faculdade que já trabalhava lá (olha o networking). Saí da empresa menos de um ano depois por motivo de força maior e usei o dinheiro que guardei e novamente o FGTS para criar uma marca de pães, pela qual trabalhei por três anos e um dia descobri Ux e me apaixonei. Tudo isso com a total assistência da minha família, pois, apesar de eu nunca ter deixado ninguém pagar as minhas contas básicas e sempre ter colaborado na manutenção econômica e dos serviços domésticos da casa, eu nunca precisei pagar aluguel, tive tudo o que precisei mesmo nos momentos de pindaíba e nunca tive ninguém que dependesse de mim para se manter, seja filho, parente doente ou uma família empobrecida. Outra montanha que sai da minha frente todos os dias.

Aliás, nunca ouvi em casa nenhuma crítica sobre as minhas decisões, apenas algo como “se é o que você quer, siga em frente”. E mesmo fora de casa acho que nenhuma porta se fechou para mim, nunca fui mal recebido ou olhado com desconfiança. Na maioria das ocasiões, nunca tive que comprovar a faculdade que fiz ou o idioma que falo conforme tinha publicado no meu currículo. As pessoas simplesmente acreditavam em mim (e eu nunca menti) e tenho certeza de que a minha cor de pele e origem social foram fundamentais receber este tratamento VIP.

Morar em uma cidade como São Paulo, apesar de ter os seus momentos extremamente desagradáveis, é também incomparavelmente mais benéfico e me coloca em uma situação muito mais cômoda. Além de ter morado relativamente perto da Universidade, eu sempre fui agraciado com uma infinidade de equipamentos culturais que me provêm prazer e conhecimento gratuitos ou a preços ínfimos. A última escola onde estudei, apesar de pública, tinha ótimos professores por ser do lado da USP, também pude fazer vários cursos técnicos a Fundação de Rotarianos e outros cursos e oficinas em diversas instituições, vi incontáveis filmes, peças de teatro, exposições, shows, oficinas, debates, outros cursos sobre diversos temas e tive acesso a equipamentos e aulas de esportes. Poucas vezes gastei um valor que fosse substancial para mim e muitas vezes foi de graça. E claro que nesses ambientes eu encontrava a maioria dos meus amigos que cultivei durante a vida e conhecia pessoas que de alguma forma passariam a fazer parte do meu círculo social. Ambientes assim fizeram parte de praticamente todas as semanas da minha adolescência e vida adulta. Além disso tudo, o próprio mercado de trabalho da cidade pode ser fabuloso. Infelizmente, para boa parte da população local os empregos são de baixa qualidade, subempregos ou mesmo o só reste o desemprego, mas, por outro lado, a cidade é um oásis das melhores oportunidades. Para comprovar isso, basta checar no LinkedIn onde ficam boa parte das vagas com salários acima de 5 mil reais fora do serviço público. Bairros como a Berrini e a Vila Olímpia, com seus prédios comerciais de altíssimo padrão, às vezes parecem aquelas cidades dos Emirados Árabes Unidos ou do Qatar, erguidas no meio do deserto e que são fecundadores do conceito de Faria Limer, criado pela Revista Veja São Paulo. São ilhas de arranha-céus que às vezes podem ser vistas a quilômetros de distância, onde são abrigadas empresas nas quais parte considerável dos funcionários ganham salários que seriam o sonho da grande maioria dos brasileiros, fora os benefícios que muitos nem sabem que existem, como vale academia, auxílio psicológico e ginástica laboral. Por sinal, vi muitas vagas de Ux Researcher com benefícios assim! Pelo visto, depois das montanhas que a vida não colocou na minha frente, existe um Oásis (tá, eu não gosto desses bairros e nem concordo com esse modelo desenvolvimentista, mas acho a metáfora válida).

O vídeo abaixo é uma forma ainda melhor de explicar tudo o que falei até agora. É uma ação bastante conhecida, mas vale a pena rever sob a lógica destas reflexões.

A gente pode esquecer na maior parte das nossas vidas que essas coisas são fundamentais para conseguirmos as atingir os nossos objetivos sem levar a vida inteira para isso. Se não fossem por elas, eu sequer saberia da existência da Ux e, mesmo que soubesse, não teria meios de pleitear uma vaga. Mas e quem tem objetivos semelhantes aos meus e não teve tantos privilégios assim? O que tem a ver com isso? Eu tenho uma resposta para dar, mesmo que não seja a que eu gostaria de dar.

A resposta é que, mesmo sendo um processo mais longo e árduo para muitas pessoas, é possível atingir este objetivo. Mesmo aqueles que não têm uma formação muito sólida, ou que trabalhem em uma área que não tenha relação com User Experience, ou que não tenham condições econômicas para parar a vida e só estudar ou para financiar um curso de formação, ou quem mora muito longe dos grandes centros econômicos. O que é preciso entender primeira mente é que provavelmente será uma verdadeira jornada e não vai dar para contar com isso para pagar as contas do mês que vem, que também provavelmente terá que começar a fazer trabalhos temporários ou até entrar de graça em algum projeto para poder desenvolver o seu próprio portfólio e aprender as lógicas de trabalho nesta área, vai ter que aplicar para uma infinidade de vagas e nem sequer ouvir uma resposta para a maioria delas. Por outro lado, o mundo atual e a própria proposta deste trabalho fazem com que tudo depende, antes de qualquer coisa, do seu foco, da sua obstinação e do seu esforço pessoal. Parece daqueles discursos simplistas de alguns livros de auto-ajuda, mas é isso mesmo. Através da internet, temos blogs, cursos gratuitos ou de baixo custo, canais de vídeos que tratam só do tema, teses, dissertações e TCCs sobre temas diversos que agregam muito para os nossos estudos. Também conseguimos acessar outras pessoas que estão na mesma luta ou já fizeram a travessia. Não só no Linkedin ou no Instagram, mas no geral, pude observar que dentro desta área as pessoas tendem a ser muito solidárias e oferecem ajudas pontuais ou mesmo mentorias gratuitas. Dá para encontrar essas pessoas e pedir orientações que algumas vezes podem ser decisivas para quem quer ter um emprego em Ux. As próprias empresas, em muitos casos, oferecem a opção de trabalho remoto, o que torna as chances de quem mora em Santarém - PA, Santa Maria - RS ou no Rio de Janeiro - RJ mais ou menos parecidas neste quesito. Porém, o ponto que acho mais importante é que boa parte das empresas que trabalham com Ux valorizam mais os soft skills do que os hard skills, o que significa que as empresas vão olhar mais para as suas características pessoais e comportamentais do que para as suas habilidades técnicas (mas estas continuam sendo importantes!) e eu não só li a respeito, como vi na minha própria entrevista.

Por fim, não acredite que vai ser fácil ou que vai ter um caminho definido, mas acredite em si, no seu potencial e na sua capacidade de atingir seus objetivos, mesmo que para isso tenha que recomeçar do zero. Seja concentrado, desenhe um plano de ação com o que você quer e o que você acredita que vai ser necessário para conseguir e procure manter um ritmo de aprendizagem, ainda que lento, e esteja sempre antenado na área. Acompanhe os blogs, canais de Youtube, podcasts, criadores de conteúdo no médium, perfis e páginas no Instagram, Facebook e LinkedIn. Tudo isso agrega! Você vai conseguir!

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Almir Oliveira

Cientista Social de formação, Ux Researcher em constante aprendizagem, cinéfilo, apaixonado por comida e culinária, corredor que usa a corrida como terapia.