Um case de gamificação para uma grande Seguradora

Almir Oliveira
7 min readFeb 24, 2022

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Empresas grandes e pequenas precisam sistematizar as suas informações sensíveis para que possam ser melhor gerenciadas e saber melhor a sua saúde financeira e estrutural. São informações importantes que podem ser fontes de grandes problemas se são preenchidas de maneira errada ou se simplesmente não são preenchidas. Por outro lado, muitos funcionários têm grandes dificuldades ou resistência a cumprir metas e dispor destes dados para a organização. Pensando nisso, uma grande companhia encontrou como saída a gamificação do seu relatório de metas e das metas em si para garantir o engajamento dos seus funcionários. Mas o que seria gamificação?

Como o próprio nome sugere, é dar a uma dinâmica ou atividade aspectos de jogo, tornando-a mais lúdica e, desta maneira, aumentando o comprometimento das equipes responsáveis pelos processos em questão. É uma forma de todo mundo sair ganhando: os funcionários têm uma responsabilidade que se torna um pouco mais leve para ser cumprida, às vezes sendo bonificado ou melhor reconhecido por isso, e a empresa ganha ao ter os seus relatórios e processos sendo cumpridos com maior excelência e no tempo proposto.

No projeto no qual trabalhei como Ux Researcher, uma equipe multidisciplinar formada por mim, por designers e design thinkers, o desafio era desdobrar todo um processo já consolidado e refazê-lo de maneira gamificada. Foi uma tarefa especialmente desafiadora por se tratar de uma empresa muito grande e tradicional, que poderia ser resistente a mudanças e não confiar tanto nos nossos métodos de pesquisa, especialmente quando os funcionários se vissem na possibilidade de darem opiniões polêmicas sobre as respectivas equipes das quais fazem parte e da empresa como um todo. Porém, conseguimos superar os principais problemas e concluir o projeto com muito êxito, passando por várias metodologias de pesquisa e de gestão de projeto, como veremos a seguir.

Análise documental

A documentação apresentada pelo cliente era bastante complexa e um tanto desordenada, o que se mostrou um desafio muito grande no início do projeto, jogando pressão na equipe logo de cara. As metodologias de cálculo eram confusas e estavam incompletas e, o que consideramos o ponto mais delicado, que a regra aplicada era punitiva, pois todos começavam com uma determinada pontuação e ia perdendo pontos a cada erro ou falha nas metas, o que entendemos que poderia passar a impressão de que nunca se ganha, apenas se pode reduzir as perdas, como em um sistema de redução de danos. Desta forma, a tendência seria desengajar e até aborrecer as pessoas que fazem parte deste processo.

Sendo assim, decidimos que a melhor solução e mais viável para o tempo de projeto que tivemos seria não tentar readequar o sistema existente, mas criar um do zero, de acordo com os padrões e as técnicas da gamificação e descartando toda a base de cálculo até então existente.

Entrevistas com stakeholders

A segunda parte da imersão foi a sequência de entrevistas com gerentes e analistas da área envolvida no projeto. Foram escolhidos 16 nomes pelo próprio cliente, visando distribui-los da melhor maneira possível, afim de ter um panorama fiel ao conjunto daqueles funcionários. O roteiro foi criado pelo time em conjunto com perguntas que contribuíssem para o nosso entendimento das suas críticas, dores, do que entendiam que já estava maduro no processo anterior e perguntas comportamentais, como a relação do entrevistado com jogos em geral.

Apesar do nosso temor inicial de que alguns funcionários poderiam se sentir intimidados, conseguimos fazer com que se sentissem seguros e com abertura para expor aquilo que realmente pensavam e sentiam. Foram entrevistas bastante tranquilas e que nos forneceram um material muito rico para análise, sendo que cada uma durou entre 30min e 1h e a condução foi revezada entre mim e outros integrantes da equipe.

Vários insights foram possíveis graças às sugestões dadas pelos participantes das entrevistas, bem como a explicação deles da dinâmica real do cotidiano, que tem nas entrelinhas da realidade muito mais do que poderíamos constatar em qualquer outra forma de análise, pois a burocratização muitas vezes é uma simplificação tosca e lisa da realidade. Com as informações coletadas, além do entendimento de como seria a construção das regras do jogo, conseguimos criar uma nuvem de palavras e outra nuvem de tags, que foram fundamentais para termos uma visão do todo.

A nuvem de palavras foi feita através da frequência de palavras-chave ditas durante as conversas, que foram organizadas através de uma ferramenta do Microsoft Word que, além de deixar a apresentação para o cliente mais atrativa, nos permitiu fazer uma análise mais profunda de pontos importantes das relações de trabalho da equipe através da repetição de termos chave. Já a nuvem de tags foi feita após uma análise minha, na qual foram levantados os principais temas abordados pelos entrevistados, sejam estes espontâneos ou estimulados. Estes temas foram marcados em postits em um board do Miro com o nome dos respectivos entrevistados. Depois disso, foi usada a extensão Clusterizer para fazer a nuvem, que também nos permitiu uma análise geral e ao mesmo tempo mais aprofundadas da importância que cada tema tinha para o conjunto do time.

Modelo de nuvem de tags

Uso de Personas

Após este processo de análise, passamos a trabalhar as personas, que dentro da lógica da gamificação são quatro principais: Colaboradores, Participativos, Colecionadores e Observadores, em tradução livre e de acordo com a proposta do projeto, que originalmente são Conquistadores, Exploradores, Assassinos e Socializadores. Tais personas condizem com perfis de jogadores avaliados pelo Richard Bartle, especialista em games, que têm características e hábitos durante as partidas. A ideia, com isso é que cada funcionário se sentisse como parte integrante do jogo. Além disso, constatamos que tais personas poderiam ser pertinentes para a montagem de equipes de trabalho futuras, já que o cruzamento de determinadas características podem fazer com que os integrantes de cada equipe se complementem e fortaleção, desta maneira, o conjunto.

A ideia inicial foi de que, para que cada funcionário tivesse a sua persona determinada, fosse feito um teste aos moldes da metodologia de avaliação DISC, na qual uma sequência de perguntas aparentemente sem sentido, mas com valor implícito, indicasse qual persona faria mais sentido para cada participante. Porém, o cliente optou que cada um escolhesse a persona com a qual melhor se identificasse e então deixamos desta forma.

Regras do jogo

Como já foi dito, o jogo fez com que o sistema de avaliação perdesse o caráter punitivo e passou a valorizar a bonificação. A equipe passou a ser dividida em diferentes rankings de acordo com a complexidade de cada projeto e com o cargo que cada uma ocupa; por isso, cada pessoa pode fazer parte de um ou mais ranqueamentos. A pontuação passou a ser feita por somatória simples de conquistas e bônus e não mais por réguas de cálculo complexas e incompreensíveis para quem participa. Diversas conquistas passaram a ser consideradas e cada uma com a sua respectiva insígnia, contemplando vitórias como entregar o projeto no prazo, entregar antes do prazo, gastar abaixo do orçamento original, conquistar uma ou mais certificações de curso, ser considerado proativo e participativo pelo gestor, conclusão de etapa do projeto, conclusão do projeto, ser um “super boss”, dentre outras. Vemos aqui que algumas conquistas são objetivas, como de tempo ou de gastos, e outras são subjetivas, dependendo da avaliação dos gestores dou dos subordinados, o que deverá gerar um grande desafio na próxima etapa do projeto, de implementação, pois é nela que serão levantadas as considerações de como tratar os casos de avaliação subjetiva.

Comunicação

A comunicação com os participantes do novo sistema foi sugerida em dois momentos: as prévias e avisos da necessidade de atualização ou para manter o engajamento. A primeira seria como um teaser do que está por vir, para que os funcionários recebam informações pertinentes a respeito do novo sistema e, ao mesmo tempo, despertem interesse por participar do “game”. A segunda, é para cobrar os funcionários da necessidade de preencher os dados ou de cumprir as metas e avisar quando forem bonificados, seja com insígnias ou com prêmios substantivos. As formas propostas foram por mail marketing e pelas mídias sociais internas da empresa, que são de simples implementação de fácil segmentação.

Prototipagem

Os testes para verificar a viabilidade do sistema foram feitos com a participação de diversos funcionários que já haviam contribuído com a etapa de entrevista. Para isso, a equipe de pesquisa criou um sistema com jogos simples, como quebra cabeça e termo, para que todos pudessem participar e a ideia central era que cada participante pudesse ganhar ou não as bonificações e insígnias de acordo com o desempenho nos jogos. Além de ter sido bem aceito pelos funcionários, fomos contemplados com novas sugestões, que serão fortemente consideradas para a próxima fase do projeto, que é de implantação do novo sistema, e conseguimos constatar que as regras criadas funcionam bem.

Plataforma de apoio

No início do projeto, a consideração original era de que o cliente construiria o dashboard com a sua própria equipe de desenvolvimento. Porém, para que o novo modelo gamificado já fosse oferecida no próximo ciclo, ficou decidido que seria usado o Power BI, que diminuirá muito as horas trabalhadas e a data de entrega e o cliente já o usa em outras atividades internas.

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Almir Oliveira

Cientista Social de formação, Ux Researcher em constante aprendizagem, cinéfilo, apaixonado por comida e culinária, corredor que usa a corrida como terapia.